Saturday, March 23, 2024
Sunday, March 17, 2024
Fizesse chuva ou sol, numa época em que as mulheres eram tidas como boas donas de casa, senhoras de família, boas esposas e mães, recatadas, com profissões, se as tivessem, femininas: enfermeiras, professoras, havia um Portugal inteiro onde a pobreza, obrigava, tantas outras, a trabalharem como os (seus) homens. Carregando fardos de palha, trabalhando nas minas, colhendo o trabalho dos campos, nas lavouras, mais além do parco trabalho em casas de pedra, onde os colchões de palha substituíam os lençóis, as camas em madeira de carvalho, mas que estavam sempre, imaculadamente limpas, apesar da escassez gritante de ordenados que permitissem uma mesa com mais pão, mais carne, alimentando as, não raras vezes, numerosas famílias.
Maria Lamas (1893-1983) fotografou tudo isso e relatou-o também, na obra Mulheres do meu País (trabalho concretizado entre 1947 e 1950), cuja publicação só foi permitia em capítulos individuais. Embora à época muitas outras mulheres-senhoras, ironicamente as mais privilegiadas, não se identificassem o que estava redigido, não houve impedimento para que Maria Lamas, escritora, professora, investigadora, jornalista, não passasse da revista Modas & Bordados, anos antes, para o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, de quem se tornou presidente da Direção, em 1945.
Busto de Maria Lamas. Gesso esculpido, em 1929, por Júlio de Sousa. |
Poderíamos escrever toda uma tese da mulher feminista que Maria Lamas era e do que representou para os direitos entre mulheres e homens durante o Estado Novo, mas a verdade é que, os seus livros há muito que estão "esgotados", as suas exposições fotográficas são "inexistentes", e a sua obra, permanece uma incógnita para quase todo um país, Portugal, bem certo.
A par com Artur Pastor, entre tantos outros, Maria Lamas, conseguiu, contudo, nas imagens agora expostas na Fundação Calouste Gulbenkian, até 28 de maio, em Lisboa, captar o olhar da mulher portuguesa, a tal que não baixava os braços e não se limitava aos bordados e missas. Esta exposição, um pequeno exemplo do seu trabalho, tem a curadoria de Jorge Calado, que, aos longo de anos, se tornou especialista na escolha das suas fiéis imagens. Ao todo, foram selecionadas 67 fotografias, de pequena dimensão, e raras ampliações. Mas a exposição também conta com pedaços de vida da autora, através de cadernos, anotações, livros.
Aquela Maria Lamas, que foi presa pela PIDE em 1949, 1951 e 1953, exilada em Paris entre 1962 e 1969, principalmente por um contínuo e manifesto discurso anti-regime, resultando numa contínua e manifesta perseguição pela polícia política, tem agora, aqui, hoje, a oportunidade de se reapresentar aos portugueses, e de mostrar o papel que todas e todos temos, quando lutamos pelo bem comum.
EXPOSIÇÃO AS MULHERES DE MARIA LAMAS
FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN COM ENTRADA LIVRE
ATÉ 28 MAIO 2024
O texto que se segue foi primeiramente publicado na REVISTA RUA a 4 de março de 2024.
Tema fraturante, mas cada vez mais necessário num mundo politicamente correto e, simultaneamente, tão sem amarras, “O Sexo das Mulheres” pode ser entendido como um manifesto, ou, livro de crónicas.
Contudo, na realidade, o livro da autora Anne Akrich, é um murro na mesa, na evolução do feminismo.
Porque o livro “O
Sexo das Mulheres” (edição Quetzal) não é um livro de educação sexual. Ou
melhor, também o pode ser. E porque nos aproximamos rapidamente de dia 8 de
março, consagrado e exclusivo para as Mulheres, porque não colocar o dedo na
ferida? Mais ainda quando as eleições nacionais irão, certamente, eclipsar mais
uma data anual, igual a tantas outras, mas cuja importância não passa de
distribuição de flores e pouco mais.
Os números não
enganam, e continua a haver uma predominância de casos de violência contra as
mulheres, em todo o mundo. Incluindo a violência sexual que já não passa apenas
pela violação, ou pela violência de atos sexuais não consentidos.
No livro, contudo, Anne aborda outros temas que tocam profundamente a imensidão da psique feminina. Nomeadamente a culpa que muitas mulheres ainda sentem – sim, em países desenvolvidos, modernos, “open-minded” e onde o “me too” carrega todo um peso. A culpa, maioritariamente derivada de um sistema patriarcal, bem enraizado em países como Portugal, por exemplo, onde até há poucas décadas, a mulher se queria “domesticável” e, “disponível” para as vontades masculinas apenas.
Mas e quando é a
vez delas? Num sistema social bem definido, onde o feminismo tem lugar, não
haveria espaço sequer para qualquer dúvida. Homens e Mulheres têm o mesmo
direito ao prazer, a procurar formas de terem prazer. Mas, sabemos que não é
tanto assim, embora, as novas gerações insistam em importar conceitos
internacionais que desmistifiquem as ocorrências. Mas será que podemos tratar o
sexo da mesma forma em Portugal, como na França, como um país nórdico, africano
ou asiático? Talvez não.
O prazer no
masculino resume-se rapidamente a uma “ação” para o exterior. Já no que toca ao
prazer feminino, há que estimular cerca de 10 mil terminações nervosas. Não
pode ser uma coisa rápida e “(in)dolor”.
Ainda assim,
palavras como empoderamento feminino, sororidade, ou as mais recentes “estou a
criar um/a feminista”, não mais servem do que achas para uma fogueira a céu
aberto, com emissões de CO2 por todo o lado. Numa época na qual as políticas
parecem convergir para uma “direita” fatual e eficiente, as reivindicações, as
questões, as culpas femininas, provocam o caos e o medo no masculino. Mais,
todos os tipos de manifestações são já vistos, pelas próprias mulheres como um
exagero, uma afronta. Quase que é necessário voltar ao tempo em que a mulher
deve ser recatada, e estar pacificamente no seu devido lugar, sem fazer muito
barulho.
Numa das entradas
mais cómicas, e, no entanto, tão verdadeiras, do livro, Anne descreve: “O sexo
feminino é o órgão mais inteligente do corpo humano. É provavelmente isso o que
mete medo. Basta pensar que nos filmes de Hollywood há muitos monstros que são
vaginas. Predador, Alien, o deus dos Aracnídeos, o meu preferido continua a ser
o Cérebro comedor de pensamentos de Soldados do Universo, uma vulva gigantesca
ataviada com oito olhos. Penso num homem sozinho diante da folha de desenho, a
moer a cabeça para imaginar o aspeto de um monstro aterrador, que,
inconscientemente, esboça os contornos de uma vagina (…). Uma vagina pessoal!
Há lá coisa mais aterradora do que uma vagina!”
Alien - Facehugger |
Resta a questão, será que este medo, enraizado nos homens, talvez num complexo de Édipo, não estará igualmente presente em quase todas as mulheres? Uma memória no ADN desde a época de Eva e Adão, onde, claro, a maçã caiu nas mãos da Mulher, contaminando toda a futura Humanidade.
Mais a mais, não é
mulher a principal culpada pelo seu desgoverno sexual? Se ainda hoje se escuta
que, certamente, se colocam a jeito, como sair da espiral de eterna
culpabilização pelos instintos mais básicos, carnais e humanos que existem?
TIZIANO, Vecellio di Gregorio (?-1576). Adão e Eva (1550). Museu Nacional del Prado, Espanha |
Assim, “O Sexo das Mulheres”, desbrava vários territórios, entre os quais também se incluem filhos, maridos, companheiros, aventuras, desventuras, abuso sexual, abuso de poder, o que nos é transmitido de geração em geração. Mas não, não ensina o futuro, não o prevê sequer. Apenas reflete o resultado de, talvez, milénios de dúvidas e poucas respostas.
Monday, November 06, 2023
Todas as palavras do mundo.
Nem todas são secas.
Algumas palavras engasgam-nos. Parecem argila que se mistura com água e aumenta o volume. Os poros enchem rapidamente e não deixam mais nada entrar. Nem sair.
Existem palavras assim. Que ficam presas por serem ditas. Que anseiam serem ditas. Deitadas para fora e simplesmente não conseguem. Porque estão ali. Naquele limbo da tríade coração-garganta-boca.
Impossíveis de se revelarem.
Existem várias palavras que te poderia dizer. Mas na verdade, de todas as mais difíceis já te as disse todas. E mesmo assim acho que são poucas. Possivelmente são poucas. Existem tantos dialetos, que as minhas palavras são escassas, nulas até. E batidas, repetidas até à exaustão, iguais a tantas e a todas as outras, proferidas por todas as pessoas, em toda a parte.
E, como tal, sem qualquer efeito. Não parecem reais. Não parecem dignas sequer. Não diria impuras, mas sim, banais.
A banalidade que achava não ter, escondida em palavras banais, não-secas, mas argilosas. Que se alimentam de outras similares.
O meu "dom" da palavra. Oral, escrita, simplesmente e ordinariamente transformado em nada. Sob as sombras de tantos outros pseudo dons que achamos que temos.
As palavras não são secas. Porque são argila que se molha.
Sunday, November 05, 2023
Os verdes de outono, os castanhos e vermelhos, as cores que anunciam morte, queda, quebra e, ao mesmo tempo, renascimento. Ninguém hoje está preparado para este sentimento de mudança. Ninguém quer saber, com a pressa dos dias. Não se pára para perceber e olhar e estar vivo para compreender a alteração, a metamorfose da natureza.
Fala-se em alterações climáticas, mas quando temos a normalidade, não queremos olhar - dá-nos mais jeito o diferente, o anti-normal, ou não será antes, o novo normal?
O outono tem esse jeito doce de pôr o fim a um ciclo. Como aqueles romances de verão que são luz e fogo enquanto o vento suão espalha incêndios, e que sabemos que têm de terminar logo que caia a primeira folha. Rezamos para que não aconteça, mas é sempre inevitável. O outono pode demorar a aparecer, pode aparecer mais manso na sua chegada mas vem sempre.
O outono dos livros, dos cafés quentes ao som de chuva, das primeiras mantas e do aconchego caseiro. Dos passeios nos parques onde as árvores nos beijam com as tais cores, as tais folhagens. Aquele que antecipa o inverno da desolação, branco ou negro tingido, frio e implacável.
Esperamos pelo melhor, mas temos de nos fazer à respiração profunda, mais húmida, a cheirar a chuva e molhado. A vida.
Wednesday, March 29, 2023
Regressando em grande. Ou em formato mais "doce".
A marca (filha) da Imperial (“dona” da Regina
e Pantagruel, entre outras), apresenta-se ao serviço da Quaresma com uma nova
gama. As tabletes de chocolate Pintarolas chegaram mesmo a tempo de fazerem
esta Páscoa mais doce. E pensando que o que é doce acaba por enjoar, um cubinho
por dia, não sabe o bem que lhe faz. Além do delicioso sabor tão característico
do chocolate de leite da marca mãe, na Pintarolas em tablete, claro que temos
os botõezinhos coloridos, para aquele crocante ainda mais achocolatado. Delicioso.
Como seria de esperar, existem também receitas
onde as várias marcas Imperial se juntam. Desta vez calha a Pantagruel fazer as
honras, junto à Pintarolas. Entre ovos de Páscoa recheados, a bolos de
chocolate, imaginação não falta. Basta seguir as redes sociais das duas marcas
e ver quais as novidades gostosas.
A Pintarolas foi primeiramente apresentada ao
mercado nacional no final dos anos 70. Quem cresceu na década de 80 e 90, foi
assistindo à sua evolução, que se bateu sempre junto à chegada de produtos
estrangeiros. Hoje em dia, é com “grande pinta” que desbrava novos mercados
internacionais, pautando pela qualidade e reputação a nível Europeu.
Será sempre um prazer aos sentidos do paladar,
continuar a ver a Pintarolas crescer.
Friday, November 18, 2022
A Hipocrisia dos Direitos Humanos
Falamos de Fado, Futebol e Fátima (ou qualquer forma de religiosidade) e parece que o mundo desaba.
Contudo, parece que à luz do conhecimento atual, e por atual entenda-se, do último ano (porque o ano e meio de pandemia era como se o tempo tivesse parado e até tivéssemos regredido cultural e socialmente), começámos a ganhar um entendimento generalizado do que são os Direitos Humanos.
Parece-me inconcebível que só agora, só nesta semana, na qual voltamos a ter certezas sobre aquilo que a maioria dos agentes das nossas forças de autoridade e, suposta, proteção, pensa sobre grande parte da população que habita no país, portugueses ou não, é que nos lembramos que em alguns países do Médio Oriente, independentemente de serem mais ricos ou mais pobres, não são assegurados os Direitos mais básicos a que todos deveríamos ter acesso ou direito.
Afirmar que "em nome do futebol" podemos fechar os olhos, como se fosse uma justificação, ou que, "é lá da cultura "deles"", é estarmos a compactuar com a situação. É estarmos a aplaudir, a aceitar e, pior, a normalizar a situação.
Atitudes destas, afirmações como a de um Presidente da República, claro que irão repercutir em movimentos xenófobos, além de apenas refletirem uma profunda falta de respeito (e eventualmente de conhecimento e educação) perante determinada comunidade ou país. Faço-me entender: no Irão, a sociedade é, na sua larga maioria, contra o regime atual, contudo, é fácil encontrar aqui (no chamado "mundo ocidental") quem diga que o problema dos jovens, ou das jovens iranianas, não é um problema, mas sim uma questão cultural. Não é - a cultura de um país, que pode ser usada em prol político ou de restrição de, cá vamos nós, liberdade ou direitos humanos, não pode ser bode expiatório para justificar determinadas ações de um governo. É preciso conhecer bem os detalhes culturais e não generalizar. O que apenas se quer ou deseja, é que haja uma hipótese de escolha a essa imposição cultural governamental.
Isto foi apenas um exemplo.
Perceber agora que aqueles países, construídos a partir do nada, no meio do nada, derivados de famílias e sultanatos, cuja forma de fazer negócios poderá ser colocada em causa, onde os direitos das mulheres continua a ser algo inexistente e, onde, claramente, as camadas mais pobres, são maltratadas, não tem aplicados os Direitos Humanos é apenas hipócrita.
Referir aqui, hoje, em Portugal, que o Mundial de Futebol, realizado no Catar, onde por acaso já moram muitos portugueses (e possivelmente ainda irão morar mais nos próximos anos devido às possibilidades de emprego, que aqui, simplesmente não existem), é um exemplo de "horror", é hipócrita.
Sabendo isso, a única coisa que podemos fazer, no caso, é não ver os jogos, é não continuar a contribuir para este negócio da bola, que parece servir como uma desculpa, devido à nossa própria cultura (desportiva?) - um bocadinho como acontece com a tourada, sabem? Ou com a questão das alterações climáticas - sabemos que temos de mudar os nossos hábitos de consumo, mas na verdade não iremos abandonar os nosso estilo de vida, porque, no fundo, não nos dá jeito.
É tudo uma questão cultural, muito enraizada. Uma hipocrisia de 3 F's.
Thursday, November 03, 2022
Skincare a olhar a Natureza por Catarina Barbosa
Sunday, October 09, 2022
Câmara de Lobos, a apenas 9 Km do Funchal, é considerada uma freguesia dos subúrbios da cidade. Mas não se deixem iludir. A sua proximidade não faz com que esta zona da Madeira seja mais urbanizada, pese o crescente desenvolvimento da região, nem a designação "suburbana" a torna menos importante. Será sim, também, a sua tipicidade, as suas gentes, os seus bons e menos bons momentos e histórias que tornam esta povoação, única.
Descoberta por Gonçalves Zarco, na exploração a Oeste e Sul da Madeira, ganhou o nome pelo número de lobos marinhos que habitavam a pequena reentrância rochosa do mar, a qual dá origem à pequena baía. Facilmente habitável, pela serenidade da sua morfologia vulcânica, era terra de pesca e agricultura, que se mantém até aos dias de hoje. E se bem que as tradicionais bananeiras se tornassem parte da paisagem em terraços e fonte de rendimento, não restam dúvidas que serão sempre as pequenas ruas populares, agora mais propícias ao turismo, que captam a nossa atenção.
Local visitado e pintado em aquarela por Churchill, que esteve na baía em 1950, Câmara de Lobos, também é terra de aromas e paladares. Diz-se que aqui se faz a melhor poncha da Madeira, a melhor espetada tradicional e claro, se comem as melhores lapas regadas com sumo de limão.
Um regalo à nossa vista, além da visão e cheiro a Mar, passa também pelo contínuo trabalho feito pela freguesia. No lema em relação à sustentabilidade e ambiente, e educando transversalmente todas as gerações, apresentam-se de forma original trabalhos onde os resíduos tradicionais, como garrafas, caricas, antigas redes de pesca, plásticos vários, e até mesmo tecidos, são usados como elemento chave. O resultado é o engalanar das ruas, a chamada de atenção a um problema que começa a afetar todos.
Apesar das suas possíveis vicissitudes, combatidas pela resiliência de um povo, esta terra antiga e histórica, com gentes de pele curtida e marcada pelo Sol, e muitos mais jovens com tanto para oferecer, é uma terra de Amor. Porque quem lá vai quererá voltar, porque há locais que nos marcam os sonhos e a vontade de simplesmente ... estar...
Wednesday, October 05, 2022
Guerlain, O sentido do Olfato, uma história de Aromas
Saturday, September 03, 2022
Covi-Lã
O Turismo pela Lã
Fábricas e Museus. Unidades industriais e empresas a laborar. 365 dias por ano, numa procura em dinamizar e promover os produtos de origem nacional, numa rede dedicada ao Turismo Industrial.
Nesta premissa, as pessoas, as terras e as fábricas contam a História do nosso país, muitas vezes relacionadas com episódios políticos que transformaram a vida dos seus protagonistas.
Por outro lado, hoje em dia, as fábricas que ainda resistem à galopante globalização, lutando por manter trabalhadores e garantir justiça salarial, mostram-se também cada vez mais focadas num compromisso com o meio ambiente, procurando soluções sustentáveis onde a Economia Circular e Reciclagem se tornem mais do que apenas meras palavras.
Nesta passagem de saberes e tradição, de norte a sul de Portugal, teria de caber obrigatoriamente aquela que foi a maior fonte de rendimento às famílias serranas da Covilhã durante os séculos XV e XVI, prolongando-se até ao século XX - a indústria de lanifícios. Um património ainda hoje vivo e que reflete a modernidade que acompanha a necessidade e demanda de clientes igualmente mais exigentes. Mantendo a qualidade, mas olhando para o bem da comunidade e do espaço onde se insere.
Integrado num conjunto museológico, recuperaram-se a Real Fábrica de Panos, inaugurada em 1764 (onde se encontram as tinturarias e onde atualmente se encontra sediado o Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior), a Real Fábrica Veiga, cuja abertura ocorreu em 1784 (dedicada à fiação) e ainda a Fábrica Campos Melo e a Fábrica Velha, todas impulsionadas e fundadas por cristãos-novos, tornando a cidade da Covilhã num dos maiores centros industriais do país, logo a seguir do Porto e de Lisboa. De forma irónica, entre 1700 e 1755, por via da Inquisição, muitos destes financiadores foram presos, acusados de judaísmo; mais uma revanche pela presença de grandes comunidades judaicas da região serrana e fronteiriça, mas principalmente pela sua clara importância e influência nos negócios e decisões da Monarquia e Estado, desde a época da Expansão Marítima.
Contudo, com as transformações impostas pelo Marquês de Pombal, o crescimento da indústria tornou-se mais notório e nem mesmo a Revolução Industrial já no século XIX fez oscilar a sua grandiosidade. Numa época em que as grandes máquinas trabalhavam com energia a vapor, a fábrica António Pessoa de Amorim constrói as primeiras rodas hidráulicas - convém não esquecer que grande parte da indústria se localizava juntos dos principais cursos de água que descem da Serra da Estrela. A energia hidráulica ganha assim a corrida e torna-se um exemplo na engenharia e tecnologia nacionais.
Já durante o século XX, os eventos bélicos e a política nacional, acabam por transformar as vidas, as necessidades e a economia do país, levando também ao um decair na produção. Ainda assim a Covilhã consegue manter-se e torna-se hoje um destino para designers nacionais e internacionais que procuram os melhores materiais e o melhor fabrico, garantindo não apenas o conhecimento da origem dos produtos ao cliente final como proporciona uma retoma de atividade económica e manutenção de postos de trabalho.
Lã Ecológica
Na sequência de um maior compromisso ambiental, característicos dos tempos que atravessamos, e tendo em consideração que a indústria têxtil é das mais poluentes aos ecossistemas aquáticos e marinhos (ciclo hidrológico), algumas empresas já apresentam igualmente respostas adequadas ao tratamento dos seus resíduos. No que concerna a água, são usadas estações de tratamento que possibilitam a reutilização do recurso novamente para a operação de fabrico de tecidos. Por outro lado, também já começam a haver linhas de fiação cuja produção provém a 100% do desperdício têxtil (fios, tecidos e malhas vários, restos de rolos). É disto exemplo a fábrica J Gomes, também localizada na Covilhã. Neste polo, recolhem-se e separaram-se os desperdícios, por qualidade de peças e cores. Desta forma, deixa de ser preciso tingir os fios para as tonalidades definidas e pretendidas. Após o processo de reciclagem, inicia-se a transformação das fibras recicladas ou virgens em fios que podem ser aplicados em inúmeros produtos, quais como luvas, cachecóis, meias, mantas. Nestas circunstâncias a empresa são usa corantes nem produtos químicos sintéticos e não existe desperdício de água, tal como os plásticos e cartonagem associados são recolhidos e seguem diretamente para centros de reciclagem. Após ter sofrido uma paragem temporária devido a um grande incêndio já no Inverno passado, a J Gomes, pauta-se por ser então, desde os anos 70, um exemplo a seguir no caminho para a sustentabilidade industrial.
Turismo Industrial e o caminho a seguir
Lanifícios, azeite, vinho, passando pela extração de sal e outros recursos, a reabilitação de zonas mineiras para transformação em zonas e espaços educacionais, os Geoparques (UNESCO), as rotas turísticas portuguesas, incluindo o turismo religioso, são alguns dos exemplos do que pode ser feito de melhor em Portugal no que diz respeito ao Turismo. Verificou-se pelas piores circunstâncias que a subsistência apenas relacionada com sol e praia, não é resposta, ou pelo menos, não será a única resposta a um desafio económico indispensável ao nosso país. Falamos de Portugal continental e também das Regiões Autónomas, que possuem igualmente um imenso potencial, muito além do típico turismo relacionado com a Natureza. Na mesma proporção, é preciso ter consciência que o próprio turismo deixa inegavelmente uma forte pegada ecológica (e que com isso haverá pegada em carbono) e há que se fazer trabalhos de acompanhamento de forma a mitigar seriamente estas situações. Por outro lado, é igualmente necessário um maior compromisso no que toca à recuperação das infraestruturas há muito abandonadas, mas que podem e devem integrar os guias de Turismo Industrial, não apenas por uma questão histórica, mas também por uma questão de manutenção da memória coletiva das cidades e vilas, que têm o seu crescimento (para o melhor e pior) invariavelmente ligados aos movimentos fabris.
No final do dia, o Turismo Industrial é bem mais do que passear e conhecer a nossa história e arqueologia industrial. É acima do mais, caminhar pela construção e evolução das cidades que levaram também à construção económica do nosso país.